Francisco Brennand exibe flora e fauna fantásticas em mostra no Museu Afro Brasil
Francisco Brennand extrai da terra o barro de suas esculturas para falar dessa mesma terra. São frutos estranhos, bichos híbridos e seres mitológicos de barro cozido petrificados pelo fogo, virando cerâmica num zoológico vertiginoso de formas. Um dos maiores escultores do país, que começou aprendendo pintura com figuras como o pré-cubista Fernand Léger e conviveu com Cícero Dias e Lasar Segall, Brennand se firmou no imaginário plástico do país ao ocupar toda a antiga fábrica de cerâmica do pai, no Recife, com sua fauna e flora fantásticas. Agora, cerca de 80 dessas peças estão reunidas em mostra no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
'Joana d'Arc Guerreira', escultura de Francisco Brennand agora em mostra no Museu Afro Brasil
'Dois Peixes', placa cerâmica de Francisco Brennand que está em mostra no Museu Afro Brasil
Oficina Cerâmica Brennand, no bairro da Várzea, no Recife
Oficina Cerâmica Brennand, no bairro da Várzea, no Recife
Oficina Cerâmica Brennand, no bairro da Várzea, no Recife
No meio da floresta de esculturas armadas no museu, algumas obras servem de âncora para a mostra. Uma delas é uma enorme serpente, seu corpo dividido em partes, fazendo parecer que a cobra emerge do solo ou da superfície da água barrenta. Outro animal importante no conjunto é um pássaro enorme e esguio, seu corpo fazendo ao mesmo tempo as vezes de totem e pedestal. Mas também estão lá representações humanas, divinas e mitológicas. Sua versão de Leda, aquela seduzida por Zeus transfigurado em cisne, são duas pernas carnudas que brotam do chão, o sexo exposto ao nível do solo, como se fecundado ali, no ato. Nada contrasta mais com sua representação despudorada do mito grego do que sua versão da Virgem, a santa como que incrustada na rocha, de ângulos e arestas agudas, imagem que adorna uma capela no ateliê do artista. NATUREZA E INTELECTO "Quis fazer um jogo entre a natureza que ele cria, como a serpente, os pássaros e os frutos gigantes, e sua obra mais intelectual", diz Emanoel Araujo, curador da mostra e diretor do Afro Brasil. "Ele se expressa com a força da natureza, com figuras às vezes violentas e certa dose de erotismo, mas também tem um sopro de inteligência." Nessa vertente mais cerebral, Brennand criou uma homenagem ao pintor italiano Giorgio Morandi, conhecido por suas naturezas mortas obsessivas, em que pintou garrafas, jarras e potes à exaustão. Sem a volumetria calculada de Morandi, Brennand faz uma série de objetos como esses, só que distorcidos, forjados à mão e, por isso, mantendo seu caráter orgânico. No fundo, sejam jarros hipotéticos, pássaros mitológicos ou frutos imaginados, todas as formas de Brennand são arquiteturas fabulosas, de formas estouradas que não respeitam seus esqueletos estruturais ou contornos impostos de fora para dentro. Araujo vê nessa liberdade de composição e no encadeamento robusto desses membros orgânicos uma "volumetria da sensualidade". Mas lembra que a obra de Brennand não pode ser vista só em chave erótica. Seu processo criativo, na opinião do curador, tem como lastro um raciocínio da escultura antiga africana, de teor religioso e simplicidade absoluta na execução. "É preciso chamar atenção para um certo reducionismo sintético, quase abstrato, no empilhar ou acumular formas geométricas primárias, assim como no estancamento rítmico, na confirmação do volume", escreve Araujo, no catálogo da mostra. "Todos esses procedimentos da arte paleo-africana vêm se acrescentar à sedução de sua obra."
Fonte: Folha de S. Paulo